quinta-feira, dezembro 23, 2010

Coisas que dão azar!!!



O 13 é um númaro bicudo e perisso, pra na serem 13, aqui ficam 12 coisas malinas que se devem evitar… pois o mal que delas vem há-de perseguir aquele que as fez, assim para ajustar as contas, e mais uma coisa boa.
Do mal que têm, o pior é que é difícil uma pessoa lembrar-se do que fez, e assim, pôr fim a esse padecimento.
É aqui que entram as tais cmadres, entendidas em feitiços e desfeitiços, em olhados e desolhados, em coisar e descoisar. Elas é que têm as artes pra adivinhar as razons do sê mal e recêtar as mezinhas e benzeduras do precêto.
Prixemple, a Velha-Chata e a Penica-de-Barro há-dem ter pregado tantes quebrantes e másolhades qinté as cmadres suarem ca trabalhêra qu’qpanharem. Ê cá levê com um!
Pretanto, ler com afinco as recomendaçons (12 pra não e uma pra sim): 

1.       Na boberi auga do cântare à mea note, porque a auga tá a dormiri;
2.       Na boberi d’enjojo numa fonte ou barranque;
3.       Na derramar no lume o lêti a ferver;
4.       Na partir vidros à note;
5.       Na dar de prenda lenços de alzebera;
6.       Na ter facas em cruz em riba da mesa;
7.       Na pôr uma criança quinda na fala à frente dum espelho;
8.       Na pôr na mesa o pão com o lar para cima;
9.       Na ficar deitado quando passa um enterro;
1         Na varrer a casa à noite;
      Na pisar sal com os pés;
      Na deixar entrar o pórque acabade de comprar de cabeça pá frente;
      Ter atrás da porta um par de chavelhos de carneiro, ou mea ferradura mas      com pelo menos três buracos prós cravos,  pra evitar males às pessoas de casa.


Na esquecer as Figas e um Sino Saimão ao pescoço, ou um cornichinho, que são amuletos de grande préstimo como defesa contra o rabudo e os dele...



 


  
Dizeres da Ti Marizé de São Pedro, ela própria uma cmadre, numa vez há um ror de anos que lhe perguntei estas coisas, quando ela veio à da minha tia por causa duma dor de espinhela caída do meu avô Manel.

domingo, dezembro 05, 2010

Cantando espalharei...


           Que saudades

Que saudades… velha escola,
Da cartilha e sacola,
Reguadas da professora…
                Calcorrear os caminhos,
    Pés descalços sobre espinhos,
                Que saudades… desse outrora.

A algazarra do recreio,
O jogo da bola a meio,
Papo-seco sem conduto…
                Depois a correria,
                Ciências, geografia,
                Decoradas (cá p’lo puto).

Lembro o arco de vareta
E até a escravelheta
Piana em medronheiro…
                O berlinde abafador
                Transparente… multicolor,
                A rolar pelo terreiro.

Lembro o “pula na mula”,
Doçarias… “minha gula”,
E tantos galos na testa…
                Do carnaval… “malatracas”
                E o estoirar de canecas
                Em “caçadas”… (riso e festa).

Arselino Marreiros Correia
in O Rosto da Alma,1997

sábado, dezembro 04, 2010

O friozinho!...


Há vários Algarves, uns mais praianos, outros mais serrenhos, marmeleteiros, monchiqueiros, barrocalenses ou da serra do Mú. Este Algarve aljezurense, entre a serra e o mar, tempera o frio malino com a quentura do estio, sendo a "vice-versa" também verdadeira.
É um tempo traçanito!
Mostram-se os veraneantes nas Amoreiras ou no Vale dos Homens, e agasalham-se os que cá ficam durante o resto do ano.
Alembra-me ainda dos idos, quando a gente ia partindo o gelo dos bebedouros do gado, a caminho da escola, e óspôje nã podíamos escrever, com as manitas engalinhadas. Nesses idos, até as pernas ficavam roxas de frio, pois calças compridas era coisa só para os crescidos.
Numa dessas invernias caiu neve. Inda m’alembra. Fomos para o Cemitério Velho e para o Castelo brincar com bolas de neve e fazer uns bonecos mal enjarocados.
Um retratista atento não perdeu a oportunidade de registar o efeito para sempre. Neve em Aljezur! O retrato tem a data de 2 de Fevereiro de 1954, coisa que já não posso confirmar, mas acho que foi mais ou menos por essa altura.
Aqui fica o retratinho cujo autor homenageio apesar de lhe ter perdido o rasto. Se ele por aqui passar, eis os meus agradecimento e peço-lhe que me contacte.


sexta-feira, novembro 19, 2010

Cantando espalharei...

               Minha Terra

Ó minha terra humilde, pequenina,
De casinhas trepando para o céu!
Foste, na vida, a luz do olhar meu,
E berço dos meus sonhos de menina.

Em cada pedra tua, em cada esquina,
No lindo campo ou mar que Deus te deu,
Paira a sombra daquela que fui eu,
E a tua saudade ora domina.

E é tal o silêncio, tal a calma,
Que junto a ti, oh! Terra da minh’alma,
As horas me parecem fugidias

E a minha própria mágoa desvanece.
Ai, minha velha amiga, quem pudesse,
Findar, junto de ti, meus breves dias!

Noémia França Brogueira

Cantando espalharei...


          ALJEZUR

Desde os Celtas e Romanos,
Aos Árabes e Cristãos,
Outros povos por ti passaram
E da sua civilização
Também muito nos legaram.



D. Dinis deu-te foral
Que D. Manuel I confirmou
De “Nobre e Honrada Vila”
Título com que te honrou.






 
Do castelo hoje se fala,
De lendas e de certezas
Pois também ele figura
Entre as quinas portuguesas.

De aspecto ainda simples
Foste outrora grande vila
Sendo nobre a paisagem
Que a teus pés se perfila.

É lindo o azul do mar
Contrastando com os rochedos,
Pintura que tento agarrar
E se me escapa entre os dedos.

Maria Gertrudes Novais
in Jeito de Ser, 1988

quinta-feira, novembro 18, 2010

Ir à rebera às iroses...


- Bêqueme o Luís anda metido co'a Marizé!
- Com a Luz, esconfique!
- Ná! É com a Marizé. Eu bem os vi pelo combro da rebera abaixo, 'té ò açude. Foi aí qu'ele…
-Lá tás tu. Era a Maridaluz, quejeto a Marizé? Na sabes que ela lhe deu um cabaço no balho da fêra do Rogil.
- É, isso sê eu. Mas depoje ficou repesa, e quem me disse sabe, que é amiga dela. Por isso tam-se a entender. E foi lá no açude que coiso.
-Tás na mangação! Atão a Marizé ia-se abaixo assim, não!? E logo contigo a veres!
-Ver, ver mesmo, não vi. Mas que eles entraram na barraca das atabuas, isso entraram. E depois o que é que achas? Que só tiveram na conversa? Olha quem, o Luís…
Esta era a conversa do Rui e do Elevino que, de cana ao ombro, desciam a ribeira a seguir ao pego do Pequeno, à procura do melhor pesqueiro para as iroses.



-Eh pá, esta nevrinha é que é boa pás bichas! Com a água barrenta, na resestem! – comentava o Elevino. Agarram-se à carnada e é só puxá-las p´ró balde.
- Dês quêra, que tenho andado enguiçado. – retorquia o Rui, parando para enrolar um cigarrinho de onça. Só chibatos!
- Nã tens jeto ninhum pa enrolares o cegarro! Ê cá peguê nos Privisoiros, e já isso nã m’apoquenta!
- Pois é, má som más dôs testons. Mai los forfes, tás a ver, é tudo ganho mas é p’ró Jequim da Venda.
- E tou-te a dzê. O gajo anda cum ela. – Insistia o Elevino. Condo a vires, há-des olhá-la bem e  depoje há-des me dizer. Vê-se logo qu’ali anda pau!
Pararam junto a um renque de marmeleiros, sítio já conhecido, e emborcaram os baldes de lata para se sentarem. Deitaram as carnadas à água.
-Bem podia escampar, qu’esta auga entra-me pelo corpo adentro! – Reclamava o Rui. Acende mas é a lanterna que quase na s’enxerga.
- O chato desta pesca é que não se sente o peixe a picar. Vou puxar a tamiça, alumeia aqui a ver se tá alguma ferrada.
Era certo que entre o pego da fábrica e o açude se havia de apanhar uma irosada p’rá janta. Era certo mas não era. Já há meia hora que ali estavam e cada um só tinha agarrado um cágado. Se calhar era o mesmo…
- Não fosse o galripo apanhar aí umas laranjitas que vêm de Marmelete, e era más um chibato!
-Bêqueme inda na é hoje que se fritam irsóses. – Tão previsto era o Rui. E com as augas tã ludras!

quinta-feira, novembro 11, 2010

Aljezur, Terra Mimosa - 2


Revisitando o livrinho, como prometido, deixem-me partilhar convosco este épico sobre a nossa vila e seus termos, na perspectiva do seu autor, Manuel Garcia, que os incluiu no capítulo “Simplicidades Regionais”.

Tomai fôlego para as 15 estrofes:

Aljezur Histórico
“Esta é a ditosa pátria minha amada
A qual, se o céu me dá, que eu sem perigo
Torne com esta empresa já acabada.”
Camões
Tinha o nome de Algazur antigamente
Que significa: arcos, arcada ou arcaria.
E vem dos árabes, raça de povo ingente
E segundo a história, essa etimologia,
Fala numa manhã de Junho a tradição,
Citando, da história, o facto heróico e belo
Dos lusos porem nas ameias do castelo
O seu lindo pavilhão.

A vila foi submetida aos portugueses
P´lo grande chefe da Ordem de Santiago
Que mereceu dos seus feitos, muitas vezes,
Louvores grandes e justos em areópago.
E foi tanta e tão grande sua acção guerreira
Que sete vilas foram assinaladas,
No Escudo, Aljezur é das mencionadas
Na nossa querida bandeira.

Os homens de antanho não podem precisar
Se foram bem os mouros os seus fundadores,
Pois, na província que se chamou Al-faghar,
Outros povos houve que foram senhores.
Dominaram os romanos, a sua capital
Foi Ossonoba, cidade das mais esbeltas,
Inda havendo, em Aljezur, vestígios celtas
A dúvida é natural.

Os mouros, no entanto, foram povo audaz,
Muito contribuiu p´ra civilização
E que vincou duma forma bem eficaz
O seu engenho e arte com muita atenção,
Tinham a agricultura como seu programa,
Teve o seu tempo, muita fama, muita glória,
Ainda hoje o povo tem na memória
Essas lendas da mourama.

E quem é que não tem visto por toda a parte
Os engenhos desse povo do oriente
Que demonstrou bastante na sua arte
Ser, nessa época, do mais inteligente?
Pois eles seguiram sempre o seu bom caminho
P´las coisas práticas, sem nenhum sobressalto,
Inda hoje é bem poético ver lá no alto
Umas velas dum moinho!

Em muitos lugares se vão ainda encontrar
Alguns vestígios, ainda muito assinalados,
Doutros povos que chegaram  a fabricar,
Vários utensílios, em tempos já passados.
Para barlavento, junto ao litoral,
Uns indícios de povoações se descobre,
E, próximo da vila, uma mina de cobre,
Ao pé do Vidigal (a).

Parece que outrora teve preponderância
Este concelho, no seu comércio comum,
Com outros povos, e que com certa abastança,
Na faina da pesca, teve armações de atum.
E até que já no tempo da mauritana,
Essa tão grande e próspera comunidade,
De facto auferiram essa prosperidade
Na marítima Arrifana.

Em Aljezur, dizem crónicas do passado,
Houve um desembarcadouro para aportar.
No “tombo” do concelho, isto já vem citado
E outros documentos mais a confirmar,
Referindo-se a “um combro dum lizeirão,
Que servia de porto”, isto em remotos anos,
E que até os conquistadores lusitanos
Foram de embarcação (b).

Já o domínio dos mouros tinha passado
E já lá ia bem longe o seu ritual
Quando o rei luso D. Diniz, no seu reinado,
A Aljezur concedeu honras e foral,
Até determinou que os homens primeiros
Nunca no exército iriam à retaguarda,
Mas que marchassem sempre na vanguarda
Os mais nobres cavaleiros.

Foi dada em doação à ordem militar,
Com título de honrada, p´lo rei venturoso
Que nomeou alcaide-mor o titular
Conde de Vila Verde, lugar muito honroso.
Segundo a história, devido à inveja,
Essa honra de alcaide-mor do castelo
Passou mais tarde a ser título belo
Do Marquês de Angeja.

Tinha força militar, uma companhia,
Ordenanças, oficiais, um capitão;
Corporação que a ordem lhe competia,
Assim como também a pacificação.
E relevantes serviços tinha prestado,
Pois que sempre as tradições ela muito honrou
Dos lusos valorosos, até que acabou
Já no século passado.

Quando do terramoto no tempo do marquês,
 A vila também sofreu dessa convulsão,
Do mais fidalgo ao humilde camponês,
Ficaram uns sem vida e outros sem pão.
Fenómenos de desgraça, coisas horrendas,
Segundo testemunhas que o mesmo viu,
Pois até desapareceu a água do rio
Porque este abriu fendas.

Este povo tem passado vicissitudes
Que têm contribuído para o seu mau estar
E se não fosse um homem de altas virtudes
Mais teria ele ainda que lamentar.
Dizem que, há documentos que isso prova,
Quis fazer de Aljezur a sua pupila,
Pois convidou o povo a transferir a vila
Para a sua Igreja Nova.

Chegou até a uma certa decadência
Verificando-se isto já nos nossos dias
Quando lhe tiraram a sua independência
Firmados, creio, em hipotéticas teorias.
Foi um desânimo, uma desolação
Que o povo teve, no entanto reagiu
Trabalhou com persistência, mas conseguiu,
A sua restauração,

Hoje que já se vislumbra uma nova aurora
A q’rer iluminar a tua região
É porque não vem longe o dia e a hora
Que possas mais alto erguer o teu pendão.
Deves afastar velharias do passado,
Passado que não deixa por certo saudade,
Para que sigas avante à prosperidade
Já tens caminho rasgado.
   
(a) Diz a tradição que, em tempos remotos, foi uma grande povoação, tinha o nome de Vila Verde. Ali se têm encontrado vários objectos antiquíssimos como moedas, coisas de barro muito rudimentares e seixos redondos com uma capa de chumbo, fazendo as vezes de balas.
(b) Na vila e suas proximidades não há indícios de porto ou desembarcadouro; no entanto a tradição diz que D. Sancho II desembarcou tropas no sítio que ainda hoje tem o nome de Vale de D. Sancho.

sexta-feira, novembro 05, 2010

Lenda de Aljezur


Passam as lendas de geração em geração de diversas formas; muitas delas, pela facilidade de imaginação, memorização e transmissão, constituem-se em autênticos rimances versejados, quiçá cantados em festas e feiras... como foi hábito antigo, antes do advento tecnológico-globalizador que associou o "conhecimento" ao clique.

Numa noite de navegante insónia, conheci esta no sítio do Arquivo Português de Lendas (APL) (uma base de dados relativa a um projecto liderado pelo CEAO da Universidade do Algarve), que por seu turno a recolheu de LOPES, Morais, Algarve: as Moiras Encantadas, s/l, Edição do Autor, 1995 , p.158-165. (in http://www.lendarium.org/narrative/lenda-de-aljezur).
Canta assim:

Lenda de Aljezur

Daquelas lendas antigas
Que o Tempo nos vem contar
Uma das mais esquecidas
Quero agora aqui lembrar.
É uma tão triste história,
Tão difícil de narrar,
Que só a lembrança dela
Nos leva, certo, a chorar.
O que nos faz mais sofrer
E o que é mais de arripiar,
É nada se ter passado
Com qualquer filha de Aghar.
Mas vamos de vez ao conto...
— Em outro tempo ant’rior
À vinda dos muçulmanos
Em tumultos de agressor,
Havia aqui, nesta terra,
Tanta paz e tanto amor,
Que até a lua brilhava
De noite com mais fulgor.
Os frutos que as árv’res davam
Tinham tão outro sabor,
Que par’ciam mais do céu
Que desta terra em redor
As aves?.., essas cantavam
Com tão refinados trilos,
Que eram só acompanhadas
Da voz exímia dos grilos.
E as limpas fontes brotavam
Em harmonia tamanha,
Quer de noite, quer de dia,
Pelas faldas da montanha.
Eram as gentes tão dadas,
Tão irmãs do coração,
Que se via serem todas
Filhas de povo cristão.
Foi assim por muitos séculos,
Hora a hora, dia a dia,
E houve até quem lhe chamasse
Terra de Santa Maria.
Foi assim!... Ai!... mas um ano,
- Há que tempo? não sei bem! –
Gente de guerra invadiu
Mar, rios, terras também.
Ali foi tudo passado
A pente de ferro e fogo;
Ai do ser que não fugisse,
Que a morte o tragava logo!
Foram dias de martírio,
Horas negras de tormento,
E dava-se a Jesus Cristo,
Com a vida, o pensamento.
E os feros mouros brutais,
Com sanha de más lembranças,
Matavam homens cristãos,
As mulheres e as crianças.
Foi, como em vulgar se diz,
Uma tão grande razia,
Que ninguém ficou com vida,
Dada à morte a primazia.
Os jardins também morreram,
As fontes, os rouxinóis,
E ficaram cor de sangue
Os ouros dos longos sóis.
Foi aos poucos serenando
A terra convulsionada,
E até as ervas humildes
Nasceram dum outro nada.
Tímidas aves vieram
De novo soltar a voz,
Para que as manhãs e as tardes
Se sentissem menos sós.
Mas uma vez... uma vez,
A brisa da noite trouxe
Um murmúrio tão brando,
Tão magoado, tão doce,
Que a lua, no alto céu,
Ouviu, ouviu e chorou
Choro assim tão melindrado,
Que em chuva se transformou.
Mas a voz?.., essa se ouvia
Mais bela aos pés duma cruz;
Fala que assim murmurava:
“Ai Jesus!”, só... “Ai Jesus!”
Que desconhecida voz
Era aquela, Santo Deus?...
Que não nascia da terra,
Porque até vinha dos céus?
Que mistério era aquele?
E o mouro pensava nisto:
Se havia voz de cristão
Falando inda em Jesus Cristo?
Mas um dia, à hora triste
Dos trovões e vendavais,
A voz potente de Allah,
Dominando os temporais,
Por sobre a terra do Gharb,
Se ouviu grave e formidanda:
— “Essa voz que vós ouvis
“Murmurar, assim tão branda,
“É a voz do encantamento
“Que lancei numa manhã
Sobre uma Princesa linda,
“Filha de gente cristã,
“Que escapou então com vida,
“Da feroz luta tremenda
“Que enterrou em pó e nada
“A derrota da contenda.
“E, se ela viva ficou,
“É tão só para pensar
“Por cinco séc’los sem fim,
“Sempre a chorar, a chorar.
“Depois do tempo passado,
“Se o Cristão força tiver,
“Acaba-se o encantamento,
“Voltará a ser Mulher.
“Mas, jamais, não o creio,
“À Fé deste Deus que eu sou!”
Nunca mais Allah se ouviu
E o temporal amainou.
Fora certo, cinco séculos,
Depois do que foi narrado,
Ainda essa voz se ouvia
Da Princesa, em tom chorado.
Era sempre ao pôr do sol,
À hora de menos luz,
Que o choro mais magoava,
Com “Ai Jesus!”, “Ai Jesus!”...
Entretanto, os agarenos,
Má gente, sem coração,
Levantaram fortes muros
Contra a força do Cristão.
Mas a Fé move montanhas,
Quanto mais muros de pedra,
E não teme a força estranha
Onde só peçonha medra.
E foi assim... certo dia,
Quando El-Rei dos Portugueses,
Acometeu o castelo
Uma vez e tantas vezes,
Que as portas ali se abriram
Em acto de redenção,
À força tão desmedida
Daquele Povo Cristão.
Matavam-se os agarenos,
Mortos pelas próprias mãos,
Nas águas do mar Atlântico,
Perseguidos p’los cristãos.
Logo na manhã seguinte,
Na rasa planície calva,
Se rezou a Santa Missa
A Nossa Senhora de Alva.
Foi quando, perto, se ouviu,
Como saída da Cruz,
A voz sempre entristecida
Dos “Ai Jesus!”, “Ai Jesus!”
Delegou El-Rei saber
Que som magoado era,
Mas logo uma voz soou
Do mais alto duma Esfera:
“Eu te quebro o encantamento,
“Filha de gente cristã,
‘Volta assim a ser Mulher,
“É tua a doce manhã”.
Como por encanto viu
Rei Afonso uma Princesa
Que aos pés do altar ficou
Numa fervorosa reza.
Deu-a o Rei, como Esposa,
A um fidalgo galante,
Que p’ra sempre ali deixou
Dos muros por comandante.
El-Rei Afonso Terceiro,
À memória dando jus,
Quis que o lugar se chamasse,
Daí em frente, “AI-JESUS”.
Que o Povo, por corruptela,
P’ra que ainda o nome dure,
Foi, a pouco, assim mudando
Até ao nosso ALJEZUR.


terça-feira, novembro 02, 2010

A lenda da batata-doce!


Perdem-se nos tempos as origens das lendas e, nalguns casos, das tradições; nalguns casos porque muitas vezes estas são “construídas”, conquistando na modernidade esse estatuto de tradição, como é o caso de alguns festivais gastronómicos que apresentam pratos tradicionais que muitos nativos ignoram!
Passar-se-á o mesmo com as lendas?
Antigo já eu sou e muita coisa bebi em fontes ainda mais antigas… naquele tempo…
A moçada estava em constante aprendizagem e, qualquer pessoa mais velha fazia questão de ensinar, mesmo que se limitasse a deixar-se observar. O velho Avô Manel e as velhas tias e primas, as da Vila, as do Odeceixe e as da Azia, para não falar da inesgotável fonte que a D. Adelaide e a D. Maria Inácia constituíam: com aquele hábito de nos fazer decorar a lição, aplicado quer ao livro de Significados quer ao livro de Ciências e outros, nos transmitiram saberes que por cá ficaram e de fácil alembradura.
Foram muitos os mestres! E deles me alembra...
  • Da impressionante lenda da Fonte das Mentiras, (impressionante porque sempre que por lá passava em criança, sentia um arrepio na espinhaço, não fosse aparecer algum guerreiro mouro com corninhos de diabo e adaga em punho);
  • Da Lenda da Conquista do Castelo e nunca me esquecendo da criança a perguntar: “Avó, as moitas andam?”. Essa lenda que tanto alimentou a nossa imaginação, sendo tema para as nossas pelejas no próprio castelo, conquistando com espadas de pau e setas de chapéu-de-chuva o tecto da cisterna, transformada em fortificação.

Mas a batata-doce?! Nunca a ligámos às nossas conquistas!
Recentemente, a batata-doce tem sido associada à conquista do Castelo sob a forma de uma “Poção Mágica” (gaulesa!?) que Dom Paio distribuía como reforço da janta e que, em dialecto local, seria o equivalente ao prato de feijão com batata-doce, comida forte, para quando a força e o vigor se tornam necessários, e que durante tantos anos constituíram a base da alimentação destes marujos serranos, esta sim, uma verdadeira tradição gastronómica.

DESAFIO a quem sabe destas coisas:
  • Conte lá como é que é?
  • Como é que este tubérculo entra na história ainda antes da descoberta das Américas, donde supostamente é originária?