quarta-feira, abril 14, 2010

Tradicionalizando: Ainda a Páscoa


Quem se lembra de ir partir o folar ao campo? Na segunda-feira a seguir à Páscoa, quase sempre naquele lugar designado por “Ao Caminho da Praia”; não por falta de outros sítios (imagine-se!) mas simplesmente porque sim, ou porque tinha bom piso para as senhoras e era mais fácil controlar a pequenada.
Os homens, natural e tradicionalmente, mantinham-se alheios a esta actividade meio santa meio profana, preferindo a semeadura de prosa pelas vendas.
Éramos uns quantos putos, mesmo putos, de oito ou nove anitos. Moçada da mesma idade, tínhamos o nosso grupo. Fazíamos a guerra dos assaltos ao castelo, ou do “camoniesse” e do “manzuar”, verdadeiros Cisco Kids de pistolas de pau.
Meninas à parte, que o faroeste era só para homens, e o nosso jogo não tinha “saloon”.

A Coca Cola era proibida e os pacotinhos de sumo ainda não tinham sido inventados. Quanto muito uns pirolitos, para os mais abonados, ou umas limonadas (caseiras) para os mais finos. Nós, os menos, desembaçávamos com aguinha da ribeira, ainda bebível, colhida nas mãos em concha na corrente acima das pedras de lavar roupa.

Se não chovesse, era uma tarde daquelas. Regressávamos esgotados e sujos, transbordando de alegria, comentando as cenas dos filmes que criáramos, em que “o rapaz” chegava sempre na hora de libertar os outros “cobois” e prender os bandoleiros.



Éramos os maiores do nosso tempo e representávamos à vez o Audie Murphy, o Alan Ladd ou o John Wayne. “Camoniesse”!

sábado, abril 03, 2010

Tradicionalizando: Contratos da Páscoa

“Contrato, contrato, contrato fazemos” e enganchávamos os dedos mindinhos da mão direita, sacudindo os respectivos braços num sobe e desce ao ritmo da ladainha, e continuávamos “Sábado de Aleluia desmancharemos e Domingo de Páscoa nos pagaremos!”, se não me falha a memória, logo depois dos toques das matracas, numa excitante esconde e busca. Era assim na Semana Santa, uma tradição que cumpríamos desde pequeninos, começando com os adultos da casa ou da vizinhança, passando à fase dos colegas da escola e por fim, praticando (reminiscências) com as namoradinhas ou com aquelas que gostaríamos que viessem a ser.
Li num destes dias que em algumas localidades o prémio era um saco de amêndoas. Admirei-me, pois saco de amêndoas era uma coisa que, se aparecesse lá por casa, era único e maternalmente administrado para chegar para toda a família. Os nossos eram apenas confeitos, uns pequenitos que tinham um pinhão dentro. Com o seu justo ou exagerado aumento de valor, tem vindo a ser substituído por um grãozinho de alcagoita.
As procissões, com o respectivo sermão no Largo da Câmara (antiga), levavam ao êxtase a população religiosa da vila. Eram sobretudo mulheres, e alguns dos homens parecia estarem presentes apenas por dever ou imposição, funcionários ou “forças vivas”, vestiam as opas e transportavam os andores, exibindo as suas melhores fatiotas.
Mas apesar de não participarem nas celebrações religiosas, os homens não deixavam de afunilar as pernas em cotim novo, e as botas, com fileiras de cardas novas, a bater a cadência nas calçadas.
Há memórias neste texto que só vim a compreender uns anos depois dos “contratos”, quando a minha mãe, mais uma vez não resistindo às minhas insistências, teve de me costurar umas calças novas de cotim militar, com bolsos cortados e tudo, para eu estrear na feira do Rogil, ou melhor dizendo, no baile da feira do Rogil, para onde me desloquei... a pé, claro!
Tinha aquela fé no profano, pois a feira do Rogil nem sequer é na Páscoa!