sábado, dezembro 29, 2012

Cantar as Janeiras e os Reis

Não é apenas o Barlaventino que busca  e rebusca as peças da história, a Antena 1 (não passe porque merece a publicidade) reeditou hoje mais um saudoso Lugar ao Sul, desta vez visitando Aljezur em 1998, revelando a Maria Bárbara (e o Amador), a Bia Margarida, a Graciete, a Balbina e a Laurinda, a recordarem os cantares de Janeiras e dos Reis, doutros tempos.
Aqui fica, para não perder (enquanto durar).

http://www.rtp.pt/play/p650/e103406/lugar-ao-sul-reedicao

sexta-feira, dezembro 07, 2012

Figuras da Terra

Isabel Vitorino

Deixou Aljezur há muitos, muitos anos. É pequenina mas isso não quer dizer nada, saltou para a ribalta com cassetes e CDs. De 1990 "A Baixinha do Fado" levou-a ao conhecimento de muita gente, mas hoje, infelizmente, mal se ouve.
Por onde andas, Marizabel?

Tem presença no YouTube, vamos ouvê-la aqui!

sábado, outubro 13, 2012

Os Bruxos da Corte Cibrão

A folha 19.694




‑ Não acreditas, não acreditas, mas devias ir – insistia o Zé Leonel. – Há coisas que nunca se sabe… Vai lá que eu vou contigo.
‑ Ò pá, Zé! Vou lá fazer o quê, não me dizes? O senhor Joaquim deu-me as sebentas e eu vou usá-las, não? Olha esta, começa em 19.651 só porque me apeteceu, e vou lá escrever também o que me apetecer. Olha ò caraças!
‑ Sim, como te apetecer, mas se queres escrever como deve ser, devias ir lá falar com os gajos, ‑ o Zé Leonel voltava à carga, ‑ li num sítio que isso é importante. Amanhã era bom, é dia 13.

E lá fomos à Corte Cibrão, no caminho de Marmelete.
 
Que dia aquele! Tenho-o registado como se ontem fosse e, no entanto, já lá vão uns belos anos. Naquele tempo eu tinha o hábito de numerar as páginas dos meus cadernos (sebentas) começando num número qualquer, geralmente elevado e sem repetições, para dar a impressão que escrevia muito, e nesta aparece uma folha com este curioso número 19.694. Curioso e especial, porque segundo os presságios dos pobres bruxos da Corte Cibrão, os dois velhos pai e filha nele viram os ziguezagues do meu destino e por ele me traçaram um raio de futuro. Levei-lhes naquele dia um caixotinho cheio de sebentas e cadernos em branco, mas já com as páginas numeradas para contrariar qualquer eventual desejo de anular escritos repesos. A ideia do Zé Leonel era que eles "protegessem" os meus desabafos com as suas sábias evocações anti-desgraça.


O Bruxo de Corte Cibreira
Eles folhearam e folhearam demoradamente, concentrados no vazio das folhas, e como se consultassem os espíritos detiveram-se nesta página. Bruscamente o velho agarrou uma pequeníssima bolsa de pano que trazia ao peito, parecendo buscar nesse amuleto a ajuda para conseguir ler nessa página o que muitos anos depois eu lá pudesse escrever, e olhou-me fixamente com os olhos semicerrados.



Eu era um valente cavaleiro de bicicletas nos meus quinze anos, e pelos bruxos só sentia uma espécie de curiosidade que a minha tia Emília constantemente me aguçava com as suas benzeduras e os seus “olha que dá azar”. Mas naquele momento o meu coração acelerou e temi. Dissimuladamente fiz figas. O Zé Leonel nessa altura enganchou o seu braço no meu, como a fortalecer a nossa união frente a algum quebranto ou andaço que pelos ares viesse. Mas não, foi apenas uma espécie de sina (aliás, havia até quem dissesse que estes dois eram, afinal, mais adivinhos aciganados do que bruxos).

E sempre veio a sina…

“Menine, em prumêres, ‑ me recomendou o velho,‑ nada de dares este númaro a nenhuma das folhas dos teus escritos; até devias era rasgá-la;
Sigundes, em escrevendo uma em cada dia, já vais ser velho quando cá chegares a esta folha e…;
Torceros, os quatro prumêros númaros são do ano em qu’hádes ser mancebo (naquele tempo aos 21 anos);
E despoje, o númaro quatre é o teu mês das sortes, hádes sentar praça em abrili nas tropas das Cavalarias;
Maje ainda, o númaro um qué dzê q’um ano despoje hádes ir pra uma guerra;
E vê-se na soma dos númaros de 1969 o dia desse mês, outra vez abrili, em qu’hádes partiri.
E revirando os olhos ainda continuou com as contas ‑ … nove e um dez, noves fora um, um e seje faz seti, com novi  faz dezaseje, noves fora seti, com quatre faz onzi, noves fora doje. Poj’é Chico, a tua ida à guerra vai fazer sofrer munto duas pessoas… deixa veri… sim, um és tu mesmo, vai-te a doer o pêto de partires, a outra pessoa há de ser… uma moça, seja ela quem for. E na te posse dzê maje nada!”
Mas ainda balbuciou qualquer coisa que mal percebi: " - ... se vais a começar… outubro de 2017… se não sabias ficas a saber, o mundo acaba na volta do século… e todos vão pagar… é o pocalipes“.
E assim acabou. Fez um sinal para que lhe deixasse a paga sobre a tosca mesa de castanho, velha e suja, e recolheu-se para a escuridão da outra metade casa, separada da entrada por serapilheiras cosidas, penduradas num varal.
A filha agarrou-me no talego e empurrou-nos para rua com o caixote das sebentas. Respirámos fundo, eu o Zé Leonel, e sem mais palavras montámos nas gingas e pedalámos ladeira abaixo até à Fonte da Azinheira. Só aí parámos para nos refrescarmos e acordar daquele “sonho”.

*

Passados tantos anos ainda mantenho essas sebentas, ou quase todas. Perdi essa mania da escrita diária, obrigatória, e muitas delas acabaram sendo usadas para coisas de escola, minhas e dos primos.
Hoje, fim de semana de arrumações, é preciso criar espaço para mais uns livros que se foram acumulando, e sai em cena uma velha caixa de cartão no cimo dum armário do sótão. A caixa das sebentas! E lá estava a sebenta número 13, a tal com a folha 19.694, completamente inutilizada com um grande X a vermelho. Naquela altura havia qualquer coisa... um misto de respeito e medo, ‑ a crendice generalizada fazia parte da nossa obscura matriz sociocultural, ‑ que me atordoava os sonhos e me levou a inutilizar a dita folha com aquele gigante X que risquei a lápis grosso.
Nunca mais me lembrara desse episódio, mas agora recordei pormenorizadamente a história da minha ida aos bruxos da Corte Cibrão. A casa mal iluminada. A cara do bruxo-velho, pele curtida e enrugada pelos muitos anos ‑ mais de cem, diziam ‑ , olhos pretos, frios, encovados, a boca sem dentes que lhe fazia sobressair o queixo e lhe dava aquela fala esquisita. Até o cheiro dumas ervas quaisquer que a bruxa-filha deitara nas brasas eu parecia senti-lo agora.

Não, não, hoje já não sou supersticioso e por isso decidi usar a famigerada folha 19.694 para nela escrever este reviver de há cinco décadas. Sem medos nem mistérios. Apenas porque sim.
Mas e as datas!? É verdade, as datas coincidiram! Menos o fim do mundo... Mero acaso?! Não, não, não sou mesmo supersticioso... pèro que las hay, las hay!

 

domingo, julho 01, 2012

Lá por trás

Esta vila tem sítios cuja designação, por mais natural que nos pareça a nós, que já nascemos com eles, não deixa de parecer estranha a muita gente, sobretudo às pessoas de fora. Acho que a toponímia é assim mesmo em quase toda a parte. Um desses sítios é o “Lá por trás”.
(Descida pelo antigo Hospital da Misericórdia)
Na nossa juventude esse era um dos locais onde as brincadeiras se abriam para horizontes infinitos. Com salpicos de sabores variados, já que as várias hortas eram generosas; lá passa a ribeira, convidando à banhoca, com bons pegos para mergulhar e a ponte de pau para saltar ou, como tanto gostávamos, os ramos dos chorões donde, gritando que nem Tarzan-Weissmuller, nos pendurávamos para as acrobacias no meio dos crocodilos da nossa imaginação.
Também de “Lá por trás” provinham os ataques ao Castelo, imitação imaginada da tomada da vila: os exércitos das tropas de Sant’Iago (nós, a moçada das Cabeças), reuniam acoitados nos desníveis do terreno para definir a estratégia e as hierarquias, e amarinhando a encosta — pelo meio dos favais ou da cevada – conforme a época — dando vivas a El-Rei, galgavam a muralha arruinada para destroçar a moirama à espadeirada com varas de marmeleiro e copos de cortiça, acabando por desfraldar um trapo vitorioso no alto da cisterna conquistada.
(Trepar para a conquista!)
Disse que já nascemos com estes sítios, efetivamente. Ainda pequenotes e sem saber andar, já as mães nos levavam quando iam lavar à ribeira: o mecinho num quadril, o caixote com a roupa e o sabão no outro. Cedo portanto aprendemos o caminho. E com meia dúzia de anos já nos aventurávamos pela ladeira do hospital abaixo, explorando para lá do velho portão que nos franqueava a entrada até ao moinho d´água, território do nosso amigo Zé, o Zé do Moinho. A distância das nossas casas até ao portão era insignificante, no entanto bastava para marcar a diferença entre ser da vila e ser do campo. Diferença essa que se vinha a notar mais na escola primária, onde os nossos amigos do campo chegavam já estafados, mais do trabalho e das madrugadas com o gado que da distância, uma vez que bem cedo, no tempo e na idade, tinham atribuídas tarefas como se adultos fossem. Era gostosa a partilha de experiências entre nós! Ir aos ninhos, armar aos pássaros, apanhar pintassilgos nos bebedouros da ribeira, técnica que depois aplicávamos na eira da Barrada, no meio dos roleiros, nos tempos da debulha do trigo. Ou então partir a caminho das Índias em barquinhos de casca de pinheiro que saíam do Açude e seguiam pela vala, contornando o monte do Forte, até à azenha do Zé do Moinho onde às vezes nos esperava uma bela fatia de pão caseiro com manteiga encarnada.
(A Fonte das Mentiras - Restaurada!)

É também “Lá por trás” que fica a Fonte das Mentiras, tétrica, medonha. Saíam ali os Mouros, ou entravam… Era sempre um arrepio na espinha. Só pelos meus doze anos perdi os receios e afoitei-me a espreitar lá para dentro: pouca água, suja e com rãs!
À beira da ribeira, no sítio onde curvava, eram as pastagens em terras enlameadas, e charcos para a cultura de arroz. Pelos combros desses charcos corríamos alegremente e costumávamos procurar cobrinhas de água para nos entretermos com algumas maldades, ou até para levarmos para a escola e assustar as moças, e fazer a senhora Marcolina perder a cabeça e distribuir ponteiradas a torto e a direito.
Era também “Lá por trás”, a caminho do Vale Palheiro — outros pelos lados de S. Pedro —, que alguns anos mais tarde nos organizávamos para apanhar rosmaninho para as fogueiras dos santos populares ou para as festas da igreja. Aí, já mais espigadotes, formávamos ranchinhos de moços e moças, que rapidamente nos dispersávamos em pequenos grupos (ou mesmo pares, quando tal era possível), para a quatro mãos puxarmos as ramas das plantas e arrancá-las, o que frequentemente resultava (ou se provocava) em rebolanços pelo declive proporcionando inusitados e furtivos contactos. Dessa forma se cursavam os caminhos de iniciações várias, algumas delas conduzindo a uniões que se consolidaram ao longo dos anos.
(Lá por Trás... do castelo até ao Mar)

Este “Lá por trás” é um vale amplo, com uma ribeira-rio a caminho do mar da Amoreira. Ribeira que fertiliza os campos do Vale Palheiro, do Vale de D. Sancho, do Monte da Amoreira e outras terras que, com toda a propriedade, já tomam o nome de Salgados, para lá do ponto onde a ribeira se alarga e se abre ao sal das águas do mar… e é o rio, das liças e robaletes, dos berbigões e langueirões, das dunas e areões dourados… das nossas recordações.

domingo, abril 01, 2012

A (outra) Banda de Música de Aljezur

Aqui retomamos a Banda de Música de outros tempos, com os jovens de então, muitos deles já na embarcados na última viagem.

Banda famosa e disputada para festas em muitos sítios do Algarve: algumas excursões (de burro, claro) para irem abrilhantar festas ou completar bandas locais com falta de elementos, levaram a sua representação até ao Alferce e, mais longe ainda, Santa Margarida da Serra. No Alferce cheguei a assitir ao reecontro com antigos músicos da terra a recordarem essas viagens, à roda do genuíno medronho da serra - tão bom para aquecer como... para assar umas chouriças.

Eis a Banda no ano de 1935:


E os artistas eram:
ÚLTIMA FILA (da esquerda para a direita)

(1) Francisco Vicente do Nascimento (2) António Alves Marreiros (3) António Batista (4) Joaquim Luz Rita (5) Albertino da Costa Marreiros (6) António Silva Gambôa (7) José Eduardo Sobral (8) Manuel da Costa (9) Lázaro Afonso Costa (10) José dos Santos Figueiredo (11) António Duarte (12) João Furtado

PRIMEIRA FILA (da esquerda para a direita)

(13) Arnaldo Duarte Talisca (14) Francisco Fernandes Costa (15 - Bombo) Pedro Gonçalves Gambôa (Mestre Pedro Afonso) (16) César Augusto Laranjo (17) Frederico Furtado Júnior
(18) Frederico Furtado – maestro (19) Fábio Gomes (20) José António Claro (21) José Talisca (22) Albertino da Costa Rafael (23) Valentim Andrade Cardeira (24) António Duarte Talisca (25) António Viana Gonçalves (26) Francisco Pereira Gambôa (27) Noé Rodrigues Gambôa

Fonte: João Costa, em 1998.

domingo, março 04, 2012

Al-Mu'tamid

Oh! Que pena poeta não ser... Como hei-de superar esta incapacidade para pôr por escrito o que por dentro sinto? Não me ajudam as mãos nos gestos necessários, nem os vocabulários me apontam as palavras a usar...
Embora não sendo poeta, não é por isso que amo menos a poesia. Decidi pedir "emprestado" alguns versos que aqui continuo a partilhar convosco, passeantes deste espaço.

Trago hoje a memória daquele que, no entender de Adalberto Alves citando Nykl em "O Meu Coração É Árabe", foi o mais notável dos poetas hispano-árabes: Al-Mu'tamid, o rei-poeta que morreu traído e desterrado em Aghmat, Marrocos. Da sua obra, que inclui o seu próprio Epitáfio, aqui fica o registo dum dos poemas de amor, sem título:  
                            
                                 ó minha única eleita
de entre toda a humanidade:
estrela! lua a brilhar!
haste erguida e escorreita
gazelita no olhar.
da flor tu és o alento
és a brisa perfumada,
minha dona, meu sustento,
e grilheta bem-amada.
cego ficaria e surdo
para que fosses resgatada.
chama-me! eu logo acudo.
diz-me! será curada
a ardência do meu coração
com o fresco toque dos dentes
que na tua boca estão?

in
"O Meu Coração é Árabe" de Adalberto Alves