segunda-feira, janeiro 18, 2010

O mê amigue Ibrahîm

Este meu amigo é um descendente de famílias barlaventinas antigas. É o Ibrahîm Nash, de carapinha e pele queimada, venta larga e beiça grossa, exibe no seu carão quadrado as inegáveis marcas da sua ascendência africanista da antiga moirama.
É um verdadeiro papa-léguas.
Viajante no território e no tempo: no território porque, funcionário das Agriculturas, se desloca por esse país fora em inspecções várias dos manifestos dos animais e das culturas que UE subsidia e quer controladas; no tempo porque, por essas terras onde se instala temporariamente, vasculha as memórias e o presente de algumas das mais características e genuínas figuras locais, e lhes desencanta histórias (e estórias) que depois envia para a Tia Fatima (assim, sem acento como manda a pronúncia árabe).
Ele permite e eu dou-lhes a divulgação merecida e que os meus blogreaders também merecem.
Fica assim apresentado o Ibrahîm, e digamos que é o primeiro "cronista" deste blog. Ele é também um barlaventino.

Barlaventinos... nós.

O Barlavento é, segundo alguns dicionários da Língua Portuguesa "o bordo do navio que fica virado para o lado donde sopra o vento" mas também "no Algarve, parte da costa entre o Cabo de Santa Maria e Sagres, porque são de Oeste os ventos dominantes"; ainda, segundo a obra "Dicionário do Falar Algarvio" de Eduardo Brazão Gonçalves, é o "nome dado à parte ocidental do Algarve; oeste. Opõe-se a Sotavento".Um mapinha deste rectângulo português diz-me que o Cabo de Santa Maria fica... sensivelmente em frente de Faro! Nunca me ensinaram, nem nunca ouvi, que Faro se situasse no Barlavento Algarvio! Mas é aí que se dividem os lados do vento, como se de dois rios (de vento) se tratasse, o Barla e o Sota, que desaguaventam num outro, de maior caudal, um Farovento!... Um Mar...
Bem sei que a transmissão oral nem sempre goza de grande precisão, e que quem conta um conto... mas toda a vida me disseram, e ensinaram até, os avós Maluffs, as tias Sarifas e Zuleikas, e outros mouros velhos, "aqui é Barlavento". Nunca se duvidaria dos avós Maluff, velhos de infinita sabedoria!
Então, para mim, Barlavento é este bocado de terra que acaba (ou começa) no mar, desde a foz da ribeira de Odeceixe até à Ponta de Sagres, e vai para o interior pelas serras de Monchique e do Espinhaço do Cão, Caldeirão acima, sem fronteiras, mas sem esquecer que o Algarve também tem Sotavento e, que entre estes ventos, está um Barrocal e a Planície Litoral Centro/Sul, as nossas grandes praias, as nossas serras, os laranjais de ainda e os figueirais de outrora, o nosso Algarve, tão nosso e tão de outros.

E os Barlaventinos? Somos nós, algarvios do ocidente, meio marujos meio serrenhos.

E as Barlaventinas? São elas, as nossas mulheres e as nossas histórias; as histórias, os contos e as lendas dos barlaventinos. Estórias (agora sem o H) com sabor a Cónios ou a Romanos, ou com sabor à Moirama.

Com mais encanto estas últimas, mais recentes, mais familiares, mais assumidas pela aculturação do al-Garb, a miscigenação da poesia de Shelbes, de Ibn ‘Ammar ou de Al-Mu'tamid, com os amores proibidos e rimanços das moiras de Mariares pelos capitães generais, alferes, sargentos ou tamborileiros das tropas de D. Paio.

Aqui as deixaremos, essas estórias. Apimentadas ou apaladadas com pitadas de especiarias, receitas de iguarias de inventação familiar, servidas e apreciadas ao longo de gerações, com os néctares abertos dos vinhedos da Azia.