por CarlNasc
Natural de Faro, António Assis Esperança, (27/03/1892 a
3/3/1975) foi um escritor e jornalista português, autor duma dezena de
romances. Foi colaborador da Seara Nova, um dos fundadores da Sociedade Contemporânea de Autores, e
pertenceu à primeira direcção da Sociedade Portuguesa de Escritores (ambas
encerradas pelo Estado Novo).
A sua obra consiste numa
escrita de intervenção social, podendo até apresentar uma marca ideológica que
a aproxima do movimento neo-realista, neste romance focada sobretudo nas
condições de vida dos camponeses e no papel da mulher na sociedade, e neste
caso, em diversos estratos sociais.
Hoje é uma figura
praticamente esquecida, com fraca representação em bibliotecas públicas, e as
suas obras há muito que desapareceram das livrarias. Alguns municípios do
Algarve incluíram o seu nome nas respectivas toponímias, inclusivamente
Aljezur, na Igreja Nova.
Em homenagem a Aljezur e ao seu povo, Assis Esperança
escreveu um belo romance sobre a pobre vida dos agricultores e das suas
famílias, e a sua luta pela melhoria das condições de vida. O habitual
confronto de gerações em que os mais novos, sobretudo se mulheres fossem, se
afirmam pela diferença, desejando a emancipação, enfrentando os costumes
antigos que as subordinam, ao mesmo tempo que procuram o par que esperam lhes
traga uma vida nova e a independência dos progenitores.
Personagens principais:
Maria
da Graça, moça casadoira, reside com o pai a quem ajuda
nalgumas tarefas do trabalho do campo, mas sobretudo trata da casa e da
criação; namora com António contra a vontade do pai que o recebeu a tiro de
caçadeira e lhe declarou que “A minha filha não é para os teus dentes.” Maria
da Graça percebe muito bem a sua situação “Tudo e todos entregues à Divina
Providência, como enxergar o meu futuro? Nem casa, nem terras, toda a vida na
serra?” Encara o namoro com António como a possibilidade de sair da serra e
deixar o trabalho que a faz considerar-se escrava do pai. Maria da Graça e António,
mais do que prometidos, são amantes e mantêm encontros secretos.
António
deixou o trabalho de criado de lavoura para ir trabalhar na recém-aberta mina
de ilmenite, óxido de ferro e titânio neste caso extraído dos areais, mas cujo
futuro é ainda incerto dependendo a empresa da riqueza do filão, ainda em
análise. Acaba por fechar e António fica de novo com o futuro comprometido, não
conseguindo a aceitação do pai da sua namorada.
Francisco
da Várzea é o pai de Maria da Graça. Lavrador esforçado, que
pensa que a riqueza provém sobretudo da terra e do respectivo trabalho com
afinco; porém o produto mal dá para o pagamento das rendas.
Manuel
da Eira é o manajeiro, o homem que, por delegação do
proprietário da Herdade de Montedor, no Alentejo, efectua a escolha e a
contratação de um rancho (maioritariamente feminino), para executarem os
trabalhos nos arrozais da Comporta e arredores, desde o plantio, à monda e à
ceifa.
Ambiente:
Uma primeira parte deste romance tem lugar em Aljezur,
basicamente na vila e no lugarejo onde residem as personagens principais, o
Monte da Boavista, vagamente localizado “lá p’rá serra”.
O autor recusa usar o nome verdadeiro da vila e
inventa o nome diferente de Alfamar.
São apresentadas algumas famílias de agricultores, as
suas dificuldades com o trabalho das terras, o uso habitual da mão-de-obra
familiar, usando os braços dos filhos ainda jovens e, inclusivamente das
raparigas. Ressalta da vivência de então o habitual confronto de gerações. No
caso deste romance, Francisco da Várzea acha que o sustento advém da posse e do
trabalho da terra, não se permitindo perder os braços da filha, que ao casar
sairá da sua casa, sem que o facto traga qualquer contributo à sua estabilidade
financeira, muito pelo contrário, levantava a questão do dote, como se com os
pobres deixassem de casar por falta dele.
No Café da Chica os lavradores discutem e trocam
informações, na véspera da feira anual, para melhor se posicionarem face aos
marchantes que vêm de longe, até de Santarém, pela fama que o gado dos serranos
tem. Mas os lavradores ainda se lamentam com as campanhas do trigo, e com a
entrega ou não da colheita à Fundação, gentes que vivem do trabalho das terras
alheias e que lidam ano após ano com o drama das colheitas que se perdem.
A feira marca o início do ano agrícola, mas não só. Lá
se mercam os apetrechos para a actividade agrícola e que as lojas da vila
geralmente não têm. Lá se fazem os negócios do gado, uns melhores e outros não,
os compradores combinam-se numa espécie de cartel para não excederem valores
previamente combinados. Lá se compram os bezerrinhos e os bácoros para a
engorda.
O drama das famílias reflecte-se depois no apalavrar
dos ranchos que hão-de ir para os lamaçais do arroz na Comporta. A contratação
é feita pelos manajeiros que previamente tentam avaliar a situação de
debilidade financeira das famílias serranas, para o aliciamento com o soldo sempre
baixo, levando os lavradores a fazer contas antes de “atirarem as filhas para
fora de casa”, pois “já apartaram as que Deus lhes deu”, que pouco contavam com
o escasso rendimento das “ervas” do mar. O Manajeiro é como se fosse o dono do
trabalho, o empregador, escolhe as moças mais jeitosas para o trabalho e algumas
mais “dadas” por recomendação do patrão, indo procurá-las nas famílias mais
aflitas, de conluio com os lojistas que lhes fiavam o sustento e que, melhor
que ninguém conheciam as situações de carência.
“Ir p’ró Alentejo”, assim mesmo fazendo parte do léxico
aljezurense, representava para muitas famílias a possibilidade de obterem algum
dinheiro, com o qual contam para equilibrar o livro de fiados, comprar um
vestido ou um par de botas. Para tal suportam o custo do afastamento, do
deficiente e promíscuo alojamento nos barracões da herdade, da constituição de
nova dívida na cantina, da sujeição ao assédio seja por parte dos manajeiros,
feitores ou até mesmo dos trabalhadores da herdade, resistência que nem todas
conseguiam aguentar sem sucumbirem.
Durante os vários meses da permanência dos ranchos no
Alentejo, o autor vai desmontando as atitudes prepotentes quer dos patrões,
quer dos seus homens de mão, na luta pelas oito horas de trabalho em
substituição do horário de sol-a-sol.
No seu gabinete, o patrão inquire os trabalhadores, um
a um: “— Quem foi o primeiro a lembrar-se de meter todos à bulha? Quero saber
quem foi.”
Responde corajosamente cada um deles “— Fomos todos!”
Conversam eles, receosos: “— Com a mania da redução de
despesas pensará dispensar alguns de nós? É só levar dinheiro para Lisboa!”
E elas, “debruçando-se para dentro das suas caixas
vazias, como alguém procurando aquilo que não tem”, “a guardarem desde muito
novas e do seu precoce diálogo com o silêncio, o sentido de vida que
corresponde à passividade animal de fêmeas”.
Set2020 por CarlNasc
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