sexta-feira, fevereiro 12, 2010

Cronicando


Do primo Ibrahîm recebi a crónica que agora publico, e que resume uma hora de cavaqueira de dois barlaventinos no sotavento. No lugar de Montes Altos, em Mértola, um altinho junto à ribeira de Chança, com a Espanha à vista, e umas “mines” no Centro Social para olear a fala, entre as modas e a conversa. É o cante...
Ei-la:

Emigrei e imigrei. Hoje estou aqui.



(Uma pequena conversa à roda dum cigarro e duma mini,
em que as perguntas se ficaram apenas pela sugestão)


Não, não sou alentejano. Já que acha isso importante… com efeito não sou. Sou doutro lugar. Um lugar onde o horizonte também não tem fim.

Desde muito novo, quase desde que nasci que me acostumei a olhar o infinito.

Foi esse gosto pelo infinito que me fez abraçar a imensidão da planície. E abracei-a completamente, sabe? No único sítio onde isso é possível, nesta região, neste país outro, dentro do nosso.

Nos campos de restolho ou de girassóis, no Talefe da Adiça ou na Serra de Mértola, também é longe o horizonte quando se estende o olhar até onde a vista alcança, e o infinito tanto é por cá como pela irmã andaluza.

Se outras razões não houvera, estas, por si só, teriam avondo, não lhe parece?

Bem, como cheguei cá, é um bocadinho doutra história. Em terras da Margem Esquerda não se usa “dar à costa”, como na minha, mas entre o Chança e o Guadiana bem se pode falar de navegar; e foi navegando que aqui cheguei. Não de mar em mar, mas de pessoa em pessoa, de… alentejano em alentejano. Navegando e conhecendo, desenvolvendo relações sem as contrabandear apesar da raia.

Falo da raia e do contrabando pela importância que estes factores tiveram na aldeia e na população, provavelmente desde o início de ambas. Todas as pessoas evocarão seguramente e com facilidade, algum antepassado ligado a esta actividade, o qual, se dela não viveu, pelo menos teve nela um meio complementar de satisfação de alguma necessidade básica, incluindo mesmo “matar a fome”.

Sim, hoje ainda estou por cá, nos Montes Altos estes. Bem, estou por cá. Quero dizer… estou por cá, e estou para ficar.

É verdade que estou satisfeito! Tenho o que necessito, e se isso não é uma felicidade, então o que será?

Tenho a planície alentejana e andaluza. Tenho este horizonte alargado desde a Puebla até Sant’Ana, e desde Sant’Ana à de Costa, Moreanes.

E que mais? Pois tenho a expectativa e o conforto de um envelhecimento tranquilo. Envelhecimento que está a chegar e que, naturalmente, me vai afectar, impossibilitar de continuar a resolver a minha vida. A vida que vai mudar… e a gente com ela...

Com a ajuda de quem? É o Centro que me apoia. Em aspectos fundamentais, digo-lhe eu. Primeiro, porque me atenua a solidão, é um local de convívio, depois, porque quando preciso de qualquer ajuda, ele, o Centro, está lá.

Quando falo do Centro quero dizer pessoas, é claro. Pessoas que são agregadas pela instituição e na instituição, que se constitui como pólo aglutinador de vontades, de esforços e de práticas. Hoje beneficio eu porque preciso de me deslocar a uma consulta, e amanhã outro e outro para os fins mais diversos. E até noutras áreas não menos importantes do ponto de vista social, como um almocinho de convívio ou um passeio, e até um pouco de música e de dança, ora essa!



Não teria adoptado esta terra-mãe se não fosse esta valência, ou polivalência, a quem posso recorrer e que me apoia.

Vim do litoral para o interior. Deixei de mergulhar no verde-mar para o fazer nas terras de dentro e assim, continuo a desfrutar da mesma imensidão, do infinito.

Deixe-me só dizer, para terminar: a mesma imensidão, como duas rectas paralelas que só no infinito se encontrarão… um dia.

Mas, como disse o poeta José Fanha, “...O infinito afinal, fica aqui ao pé da gente”.

segunda-feira, janeiro 18, 2010

O mê amigue Ibrahîm

Este meu amigo é um descendente de famílias barlaventinas antigas. É o Ibrahîm Nash, de carapinha e pele queimada, venta larga e beiça grossa, exibe no seu carão quadrado as inegáveis marcas da sua ascendência africanista da antiga moirama.
É um verdadeiro papa-léguas.
Viajante no território e no tempo: no território porque, funcionário das Agriculturas, se desloca por esse país fora em inspecções várias dos manifestos dos animais e das culturas que UE subsidia e quer controladas; no tempo porque, por essas terras onde se instala temporariamente, vasculha as memórias e o presente de algumas das mais características e genuínas figuras locais, e lhes desencanta histórias (e estórias) que depois envia para a Tia Fatima (assim, sem acento como manda a pronúncia árabe).
Ele permite e eu dou-lhes a divulgação merecida e que os meus blogreaders também merecem.
Fica assim apresentado o Ibrahîm, e digamos que é o primeiro "cronista" deste blog. Ele é também um barlaventino.

Barlaventinos... nós.

O Barlavento é, segundo alguns dicionários da Língua Portuguesa "o bordo do navio que fica virado para o lado donde sopra o vento" mas também "no Algarve, parte da costa entre o Cabo de Santa Maria e Sagres, porque são de Oeste os ventos dominantes"; ainda, segundo a obra "Dicionário do Falar Algarvio" de Eduardo Brazão Gonçalves, é o "nome dado à parte ocidental do Algarve; oeste. Opõe-se a Sotavento".Um mapinha deste rectângulo português diz-me que o Cabo de Santa Maria fica... sensivelmente em frente de Faro! Nunca me ensinaram, nem nunca ouvi, que Faro se situasse no Barlavento Algarvio! Mas é aí que se dividem os lados do vento, como se de dois rios (de vento) se tratasse, o Barla e o Sota, que desaguaventam num outro, de maior caudal, um Farovento!... Um Mar...
Bem sei que a transmissão oral nem sempre goza de grande precisão, e que quem conta um conto... mas toda a vida me disseram, e ensinaram até, os avós Maluffs, as tias Sarifas e Zuleikas, e outros mouros velhos, "aqui é Barlavento". Nunca se duvidaria dos avós Maluff, velhos de infinita sabedoria!
Então, para mim, Barlavento é este bocado de terra que acaba (ou começa) no mar, desde a foz da ribeira de Odeceixe até à Ponta de Sagres, e vai para o interior pelas serras de Monchique e do Espinhaço do Cão, Caldeirão acima, sem fronteiras, mas sem esquecer que o Algarve também tem Sotavento e, que entre estes ventos, está um Barrocal e a Planície Litoral Centro/Sul, as nossas grandes praias, as nossas serras, os laranjais de ainda e os figueirais de outrora, o nosso Algarve, tão nosso e tão de outros.

E os Barlaventinos? Somos nós, algarvios do ocidente, meio marujos meio serrenhos.

E as Barlaventinas? São elas, as nossas mulheres e as nossas histórias; as histórias, os contos e as lendas dos barlaventinos. Estórias (agora sem o H) com sabor a Cónios ou a Romanos, ou com sabor à Moirama.

Com mais encanto estas últimas, mais recentes, mais familiares, mais assumidas pela aculturação do al-Garb, a miscigenação da poesia de Shelbes, de Ibn ‘Ammar ou de Al-Mu'tamid, com os amores proibidos e rimanços das moiras de Mariares pelos capitães generais, alferes, sargentos ou tamborileiros das tropas de D. Paio.

Aqui as deixaremos, essas estórias. Apimentadas ou apaladadas com pitadas de especiarias, receitas de iguarias de inventação familiar, servidas e apreciadas ao longo de gerações, com os néctares abertos dos vinhedos da Azia.

terça-feira, novembro 04, 2008