O MARCO DA ÁGUA
É agora oficialmente
designado por Fontanário Público de Aljezur, enquanto nos tempos em que
funcionava, sempre foi designado por Marco da Água. Já não presta serviço (não
tem torneira nem mesmo decorativa!); girou cerca de 90 graus e foi encostado ao
paredão, não facilitando assim o acesso (por inútil) ao pequeno nicho na parte
de trás que permitia controlar o fluxo do precioso líquido. Figura, porém, na
relação dos Monumentos da vila e está incluído no SIPA (Sistema de Informação
para o Património Arquitectónico), considerado Património Nacional, descrito
pormenorizadamente como aqui, que com a devida vénia, transcrevo:
Embasamento baixo, em
lajes de pedra dispostas em meia laranja; espaldar de base tronco - piramidal a
que se sobrepõe plinto alto, apresentando a sua face principal sulcos
horizontais e verticais a simular cantaria de 3 blocos quadrangulares
sobrepostos; remate recto. Duas bacias idênticas, sobrepostas e escalonadas, em
meia-laranja, sobre pequena base reentrante.
A Wikipedia descreve-o:
“O Fontanário Público de Aljezur é uma estrutura na vila de Aljezur, na
região do Algarve, em Portugal.[1]”
com esta chamada de rodapé para GORDALINA, Rosário (2013), segundo
«Fontanário Público em Aljezur», Sistema de Informação para o Património
Arquitectónico. Direcção Geral do Património Cultural. Consultado em 2 de
Setembro de 2021.
Assim como o devido
“Enquadramento”:
“Urbano, destacado e
adossado a muro de delimitação de pequeno largo-miradouro, com pavimento em
calçada e vista para a parte baixa do núcleo antigo da povoação e o núcleo novo
a E. (v. IPA.00028747) e os campos agrícolas interpostos. (IPA.00034911)”.
Mas porquê agora vir à
estampa o Marco? O Marco? Este Marco, assim como o da Rua das Cabeças e o da Rua
do Degoladoiro, estão guardados na minha memória e, seguramente, na dos meus
contemporâneos, no “departamento” dos locais de brincadeira da nossa infância.
Quando acompanhávamos as mães no acartar duma quarta d´água, segurando nós
próprios a pequenina enfusa da água fresca para beber, nosso orgulhoso
contributo para o abastecimento familiar. De manhã cedo, ou ao fim do dia,
conforme a necessidade, era o meu pai que abastecia a cantareira com um
daqueles pesados (mesmo quando vazios!) cântaros de barro branco.
Mas além destas idas ao
Marco, havia as outras, já sem a mãe e assumindo nós a autonomia possível,
antes do grito de chamamento. “Ó Chiiiico, anda pra casa!”. “’Nhora, lá vou!”.
Íamos brincar para o Marco. Havia água que todos nós adorávamos para chapinhar
na base de apoio, e encarapitarmo-nos para abrir a torneira e dar de beber às
abelhas. Estas coitadas sem perceberem que era para seu bem, lá nos brindavam
com uma ferroada de vez em quando, espoletando o inevitável choro e a corrida
para casa, geralmente sem consequências a assinalar.
Mais tarde já era eu a
transportar a dita quarta, fosse para a nossa casa fosse para a casa da tia, na
verdade a minha segunda casa. Como soía dizer: “Vou à minha casa da minha tia”.
Na modernidade de há 60 anos,
as imagens dos casalinhos de namorados debaixo dos caramanchões dos poços das
hortas, renovavam-se aqui, desfrutando a extraordinária paisagem desde a
várzea, pela Igreja Nova, até à Fóia, sem poço nem sombras.
Hoje, enfim, está
diferente e, como tantos outros monumentos deste Portugal antigo, perdeu a
letra maiúscula e resiste envergonhado pela falta de atenção.
Carlos eNe
Praia de Buarcos
Setembro 2023
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