terça-feira, março 12, 2024

Para Além das Imagens - 4

A Fonte das Mentiras 

 



A Câmara Municipal de Aljezur (CMA) na sua página na internet www.CM-Aljezur.pt disponibiliza pelo caminho “Visitar/Descobrir Aljezur/Monumentos” uma lista de edificações que a CMA, (o pelouro cultural, passado ou actual), considera como pontos de interesse que poderão motivar visita dos munícipes ou de forasteiros.

A lista contempla referências algo díspares como o Castelo, Fortalezas e, com alguma surpresa, a Fonte das Mentiras. Esta fonte foi assim promovida a monumento, para o que recebeu um tratamento especial com uma roupagem a preceito(!) e um historial legendário que, para além de dar água a quem passa, ainda era suposto ter servido como abrigo/esconderijo da moura de Mareares que por ali franqueara a invasão do castelo através dum hipotético túnel, ou ainda como saída de emergência que garantiria a fuga da guarnição moura em caso de ataque ou cerco (embora não se tenham descoberto quaisquer vestígios)! Mais uma lenda.

A promoção da Fonte deu-lhe o direito a registo no Sistema de Informação para o Património Arquitectónico (SIPA) com o número 00034913 onde está descrita como

Fonte de mergulho, de hipotética origem medieval, com estrutura em alvenaria, insossa e argamassada, de xisto, parcialmente embebida no terreno, com caixa de água de planta rectangular e cobertura em abóbada de canhão. Fachada principal rasgada por vão em arco de asa de cesto, de perfil irregular, sobre robustos pés direitos, e remate em frontão curvo de pontas rectas; interiormente, tecto em abóbada de berço e tanque rectangular ocupando todo o interior, desnivelado.”

Uma notinha à margem: como é usual em muitas terras e em muitos monumentos esta fonte também apresenta os indícios duma certa falta de atenção, permitindo a sua ornamentação natural com vegetação característica do lugar, habitualmente designada por “erva” e “silvas”.

Em tempo da minha pré-adolescência já a lenda da Fonte das Mentiras me tinha chegado através das tias e dos avós, ajudando-me a imaginar assaltos ao Castelo, sempre bem-sucedidos pelos conquistadores de D. Paio. Tomada a fortaleza de surpresa, como convinha, desciam os guerreiros em raboleta pela encosta, tropeçando e arranhando-se em moitas e silvas para virem emboscar os mouros fugitivos na Fonte das Mentiras, que por ali procuravam escapar à chacina no Degoladoiro.

Nesses tempos (no século passado, já(!)), esta fonte constituía para nós, miúdos, um grande mistério. Espreitava-se lá para dentro afastando as teias de aranha e mal se via. Sim, tinha água e… lagartixas. Estas não nos afectavam nada, habituados que estávamos a brincar com elas, mas a água parecia escura, as paredes interiores muito húmidas, e já não tinha o habitual cocharro. Dizia o meu avô que quem ainda bebia naquela fonte era o gaseado do Viva-à-Rússia, protegido por forças misteriosas nada lhe fazia mal, mas que tivéssemos cuidado pois ele era uma espécie de dono da fonte e não nos queria por lá. É claro que mais tarde percebi que o aviso era mais para evitar que nas nossas brincadeiras entrássemos lá para dentro pois a água tinha uma fundura que nós avaliávamos mal.

Mas nas nossas brincadeiras tínhamos sempre alternativas para uma sede d’água: fosse na ribeira que naquele tempo corria com águas cristalinas, fosse contornando a encosta e ir visitar a Fonte do Vale Palheiro, essa sim, de águas “milagrosas” que matavam a sede e faziam bem aos dentes, e ainda eram remédio recomendado para as dores de barriga!

 Carlos eNe

Praia de Buarcos

Setembro 2023




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