Lavar com a vila em fundo
Eis mais um postal de Aljezur reflectindo um aspecto, uma perspectiva, uma actividade, uma época… Vista Parcial menciona, (mesmo muito parcial) e Ponte.
São três os conjuntos que se destacam neste postal; três
elementos, três planos.
O primeiro, a ribeira e as lavadeiras. Em tempos anteriores
à água canalizada não se pensava em lavadouro, claro, e era na ribeira que as
mulheres (naquele tempo só as mulheres) lavavam a roupa, literalmente, assim
como era nessas reuniões (sociais) que outra roupa também era chamada à
barrela. Parlatório. As ceroulas do senhor doutor ou os lençóis das casas
grandes eram geralmente a introdução ao noticiário social da vila, com
particularidades para pequenos (ou grandes) comentários e até enxovalhos ou
ainda uma praga ou outra. “São tão cheias de não me toques e dão-me pra lavar
roupa desta!” ou então, “Dizem pr’aí que dormem separados, mas não é isso que
os bragais contam!”, e terminando com um esconfique ou um raisapartam.
Sim, era na ribeira que se difundiam as novidades e outros ditos, e que dali
partiam para os quatro pontos cardeais. Este lavadouro natural servia sobretudo
o pessoal do centro da vila. As mulheres do extremo norte desciam ao Açude ou à
Ponte Pedra e as do cimo do Degoladouro e as do caminho do Castelo, iam lavar
Lá-Por-Trás. As águas eram praticamente as mesmas e as práticas também. Mais
novidade, menos novidade, as notícias eram lavadas com assabão azul e
branco e levadas na esfregadeira até à mesa, seguindo pelos homens até à venda.
Em segundo plano a Ponte. Pequena e estreita hoje, mas
naquele tempo era imponente, do ponto de vista arquitectónico e sobretudo da
utilidade e do desenvolvimento.
Esta ponte é um orgulho da população desde a sua construção
nos anos 40/50 do século XX. “Olha a ponte s’é bonita!”. É das mais belas da
região e consta na lista de monumentos de Aljezur. Está registada na SIPA (
Sistema de Informação para o Património Arquitectónico) em www.monumentos.gov.pt/site/app_pagesuser/SIPA.aspx?id=35534
A ligação das duas margens da Ribeira permitia a
continuidade da estrada e abria o caminho para o Norte, pela nova via que se
melhorava com o alcatroamento. A placa colocada na curva anunciando Lisboa a
238 Km, levava a comentários e imaginações. Naquele tempo os quilómetros eram
bastante mais compridos, muitas vezes medidos em tempo: “Daqui até Lisboa é um
dia na camineta de Lagos.” A ponte liga os dois troços da Estrada
Nacional 120, (desde Lagos a Alcácer), levando ao desuso dos portos de passagem
a vau a seguir à Casa Sintra ou junto à Ponte-Pedra, embora só possível em
tempos de poucas águas. A estrada necessitava da ponte para dar escoamento às
viaturas que começavam a afluir à vila, a caminho de Lagos ou a caminho do
Norte, sobretudo depois das cheias de 1947 terem levado a parceira medieval,
embora esta não fosse a solução para a estrada que se preparava para ligar Aljezur
à região a Norte.
É assim um monumento belo porque é útil, e é útil também por
ser bela.
À esquerda uma parte da encosta do Castelo, declive
acentuado a dificultar, quase inviabilizar, a construção. Mantém-se até hoje.
Apenas atravessado a meia altura pelo chamado Caminho das Piteiras, e este
ligando-se à parte baixa por uma ou duas íngremes veredas, somente para os mais
destros. É uma parte da encosta nua de casario, que ajuda a destacar o Castelo
e que assim se tem mantido até ao presente.
Em terceiro plano e em fundo, o casario do centro. Poucas
casas da apropriadamente designada Rua da Ladeira, maioritariamente térreas,
algumas com pequenas rampas para eliminar degraus, e aproveitadas como pequenos
patamares para receber visitas à porta em tempo de frescura, desfrutando as vistas
possíveis, e “controlando” quem sobe e quem desce. Desta ladeira saem algumas
azinhagas que dão acesso às traseiras das casas, onde mal se distinguem os galinheiros
e as cavalariças. Esta zona da vila é bastante antiga e, para contraste e com
grande apreensão dos moradores, passou a ser usada por alguns carros e seus
aventureiros condutores, como alternativa aos modernos impedimentos da Rua da
Ponte-de-Pau.
No topo da Rua da Ladeira, um paredão com alguns alegretes
floridos, desempenha o papel de Miradouro sobre a várzea e sobre a Igreja Nova,
extenso horizonte. Deste ponto, algumas mães ou tias seguiam as suas crianças
pela berma da estrada (ainda sem passeio) até à Escola, nos seus bibes brancos em
viagem para o Conhecimento.
Praia de Buarcos, 2023
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