terça-feira, março 12, 2024

Para Além das Imagens - 3

 

Lavar com a vila em fundo


Eis mais um postal de Aljezur reflectindo um aspecto, uma perspectiva, uma actividade, uma época… Vista Parcial menciona, (mesmo muito parcial) e Ponte.

São três os conjuntos que se destacam neste postal; três elementos, três planos.

O primeiro, a ribeira e as lavadeiras. Em tempos anteriores à água canalizada não se pensava em lavadouro, claro, e era na ribeira que as mulheres (naquele tempo só as mulheres) lavavam a roupa, literalmente, assim como era nessas reuniões (sociais) que outra roupa também era chamada à barrela. Parlatório. As ceroulas do senhor doutor ou os lençóis das casas grandes eram geralmente a introdução ao noticiário social da vila, com particularidades para pequenos (ou grandes) comentários e até enxovalhos ou ainda uma praga ou outra. “São tão cheias de não me toques e dão-me pra lavar roupa desta!” ou então, “Dizem pr’aí que dormem separados, mas não é isso que os bragais contam!”, e terminando com um esconfique ou um raisapartam. Sim, era na ribeira que se difundiam as novidades e outros ditos, e que dali partiam para os quatro pontos cardeais. Este lavadouro natural servia sobretudo o pessoal do centro da vila. As mulheres do extremo norte desciam ao Açude ou à Ponte Pedra e as do cimo do Degoladouro e as do caminho do Castelo, iam lavar Lá-Por-Trás. As águas eram praticamente as mesmas e as práticas também. Mais novidade, menos novidade, as notícias eram lavadas com assabão azul e branco e levadas na esfregadeira até à mesa, seguindo pelos homens até à venda.

Em segundo plano a Ponte. Pequena e estreita hoje, mas naquele tempo era imponente, do ponto de vista arquitectónico e sobretudo da utilidade e do desenvolvimento.

Esta ponte é um orgulho da população desde a sua construção nos anos 40/50 do século XX. “Olha a ponte s’é bonita!”. É das mais belas da região e consta na lista de monumentos de Aljezur. Está registada na SIPA ( Sistema de Informação para o Património Arquitectónico) em www.monumentos.gov.pt/site/app_pagesuser/SIPA.aspx?id=35534

A ligação das duas margens da Ribeira permitia a continuidade da estrada e abria o caminho para o Norte, pela nova via que se melhorava com o alcatroamento. A placa colocada na curva anunciando Lisboa a 238 Km, levava a comentários e imaginações. Naquele tempo os quilómetros eram bastante mais compridos, muitas vezes medidos em tempo: “Daqui até Lisboa é um dia na camineta de Lagos.” A ponte liga os dois troços da Estrada Nacional 120, (desde Lagos a Alcácer), levando ao desuso dos portos de passagem a vau a seguir à Casa Sintra ou junto à Ponte-Pedra, embora só possível em tempos de poucas águas. A estrada necessitava da ponte para dar escoamento às viaturas que começavam a afluir à vila, a caminho de Lagos ou a caminho do Norte, sobretudo depois das cheias de 1947 terem levado a parceira medieval, embora esta não fosse a solução para a estrada que se preparava para ligar Aljezur à região a Norte.

É assim um monumento belo porque é útil, e é útil também por ser bela.

À esquerda uma parte da encosta do Castelo, declive acentuado a dificultar, quase inviabilizar, a construção. Mantém-se até hoje. Apenas atravessado a meia altura pelo chamado Caminho das Piteiras, e este ligando-se à parte baixa por uma ou duas íngremes veredas, somente para os mais destros. É uma parte da encosta nua de casario, que ajuda a destacar o Castelo e que assim se tem mantido até ao presente.

Em terceiro plano e em fundo, o casario do centro. Poucas casas da apropriadamente designada Rua da Ladeira, maioritariamente térreas, algumas com pequenas rampas para eliminar degraus, e aproveitadas como pequenos patamares para receber visitas à porta em tempo de frescura, desfrutando as vistas possíveis, e “controlando” quem sobe e quem desce. Desta ladeira saem algumas azinhagas que dão acesso às traseiras das casas, onde mal se distinguem os galinheiros e as cavalariças. Esta zona da vila é bastante antiga e, para contraste e com grande apreensão dos moradores, passou a ser usada por alguns carros e seus aventureiros condutores, como alternativa aos modernos impedimentos da Rua da Ponte-de-Pau.

No topo da Rua da Ladeira, um paredão com alguns alegretes floridos, desempenha o papel de Miradouro sobre a várzea e sobre a Igreja Nova, extenso horizonte. Deste ponto, algumas mães ou tias seguiam as suas crianças pela berma da estrada (ainda sem passeio) até à Escola, nos seus bibes brancos em viagem para o Conhecimento.

 Carlos eNe 

Praia de Buarcos, 2023

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