Na Obra de Santa Zita - OSZ
O táxi parou em frente ao número 35 da Rua de Santo António
à Estrela, eram sete e meia da tarde. Ao lado da porta uma placa metálica
indicava OSZ. Agostinho pediu ao motorista que esperasse um pouco, até que
abriram a porta e a Vitoriana entrou.
Assim que passou a porta da entrada ela sentiu o maior
alívio da sua vida. Seria o início duma nova etapa. Mais um início, outro, o
verdadeiro. Encarou mulher que a atendera com alguma surpresa, estava vestida
duma maneira um pouco estranha: de cinzento-azulado, usava um avental com
peitilho e alças e na cabeça um lenço da mesma cor, rente à testa que lhe
tapava completamente o cabelo. Era seguramente uma farda. Seria uma empregada,
uma freira, uma irmã? Vitoriana explicou-lhe que vinha do Algarve, que vivia em
casa duma senhora idosa cujos filhos a tinham levado para Faro pelo que ficou
sem um teto. Tinham-lhe dado o prazo de uma semana para deixar a casa e era por
esta razão que ali estava. Precisava dum abrigo que pudesse servir de base para
procurar trabalho. Explicou que a senhora Gertrudes contribuía para as Casas de
Santa Zita e comprava sempre o calendário e o almanaque, por isso é que ela
conhecia a instituição e se lhes dirigiu.
Ficou muito apreensiva face ao silêncio da mulher e, pior
ainda, face às caras que ela fez. Como quem dizia que estava com pouca sorte,
ou que a Casa estava cheia.
— Trazes alguma carta de recomendação dessa senhora, ou do
padre da tua terra? É o costume, sabes?
— Não tenho nada… — Balbuciou com receio. — A vila está sem
padre, só vai um de fora dar a missa aos Domingos. E a senhora Gertrudes,
coitada, foi para o hospital depois de ter dado uma queda… Agora não tenho para
onde ir…
— Senta-te aí e espera um pouco. Vou falar com a irmã Leonor
que ela é que decide estas coisas.
Sentou-se com os cotovelos sobre a mesa e a cabeça apoiada
nas mãos, numa atitude de quase desespero. Olhou o seu pequeno relógio, oferta
da senhora Gertrudinhas, passavam já uns bons quinze minutos desde que entrara.
Fez um rápido balanço daquele dia, o primeiro da sua nova vida. Teve sorte com
o Agostinho. Sem ele como é que se teria desenvencilhado? No Terreiro do Paço
ele agarrou logo um carro de praça. Ela hesitante e ele a dar-lhe confiança:
“Anda, eu levo-te lá”. Ela encandeada com tanta luz na cidade, todas a passarem
tão depressa. Parecia-lhe que os carros em sentido contrário vinham chocar com
eles. Ele acalmando-a: “Vai correr tudo bem, vais ver”. Ele prometera-lhe vir
no dia seguinte para saber com estavam as coisas. Tranquilizava-a. Até o
motorista ajudou: “Conheço a irmandade, na rua não a vão deixar ficar”.
Agostinho escreveu num papel a morada do tio, onde iria ficar até
Segunda-feira, e o número do telefone. “Se houver algum problema ligas para
este número”. Ainda tinha na mão esse papelinho, dobrado e redobrado. Ouviu um
rumor e guardou-o apressadamente no seu taleiguinho.
Entrou uma mulher mais velha, com a mesma farda, seguida da
outra que a tinha atendido.
— Boa tarde, sou a irmã Leonor. E tu és a Vitoriana!
— Sim, sou a Vitoriana, venho de Aljezur. — Respondeu quase
gaguejando, não se sentia nada à vontade.
— Somos quase da mesma terra, eu sou de Lagos, muito perto,
não é? — Tinha uma maneira doce de falar, o que a tranquilizou. E o facto de
ser do Algarve deu-lhe mais confiança.
— E hoje não tens onde ficar… Qual é a tua idade? Não tens
por cá família? Porque é que vieste ter connosco?
Começava o interrogatório…
— Faço hoje
18 anos — mentiu. — Vim aqui porque a senhora que me adoptou comprava
sempre os calendários e os almanaques. Ela tinha uma grande admiração pela Obra
e eu fiquei conhecendo e sabendo a morada.
— Ah! Foste
adoptada?
— Não foi bem
uma adopção. A minha mãe morreu e eu fiquei sem ninguém. A senhora
Gertrudinhas, que era viúva, chamou-me para a sua companhia. — Vitoriana ia-se
descontraindo. — Estive com ela três anos, até ela ir para o hospital e os
filhos não me quererem na casa…
— Eras criada
dela. Sabes ler, ou não fizeste a escola?
— Sim, sei ler e escrever, fiz a escola completa. E não era
criada dela, era a sua companhia, como se fosse da família. É claro que fazia
as tarefas domésticas com ela, era uma ajuda. — E acrescentou, com o objectivo
de fazer valer as suas competências. — Sei fazer tudo numa casa, limpar e
cozinhar. E também sei costurar e bordar com bastidor.
— Hum! Estou a ver… Ficas connosco esta noite e amanhã
veremos o que se pode fazer. A tua situação é pouco vulgar e tenho que pensar
melhor. Vais com a irmã Francisca que te vai indicar uma cama. Aqui jantamos
pelas 7 da tarde, já passa da hora mas deve haver alguma coisa na cozinha. Até
amanhã, se Deus quiser.
Levantou-se a irmã Leonor e logo de seguida a irmã Francisca
que lhe fez um sinal para que se levantasse também.
Bem, pelo menos na rua não ficava. Seguiu a irmã Francisca
pelo comprido corredor até uma porta que por cima tinha uma chapa de esmalte
indicando “Camarata 3”. Era uma divisão quadrada, com seis camas, seis mesinhas
de cabeceira e seis armários, tudo de ferro pintado de branco, três de cada
lado. A irmã abriu uma fresta na janela dizendo que era para arejar, pois a
camarata não era ocupada já há umas semanas.
— Ficas aqui, sozinha por enquanto. Como disse a irmã
Leonor, amanhã se verá. Agora vem comigo à cozinha.
O jantar tinha sido canja de galinha com bastante arroz e
carne. Mais parecia um arroz de frango do que uma sopa. Estava delicioso! Era
uma boa maneira de terminar um dos dias mais desgastantes da sua vida.
Recolheu-se e dormiu profundamente. Acordou às seis da
manhã. Era outro dia…
Sem comentários:
Enviar um comentário