domingo, agosto 07, 2022

CASAS NO FORTE - Folhetim (7)

 Na Obra de Santa Zita - OSZ


O táxi parou em frente ao número 35 da Rua de Santo António à Estrela, eram sete e meia da tarde. Ao lado da porta uma placa metálica indicava OSZ. Agostinho pediu ao motorista que esperasse um pouco, até que abriram a porta e a Vitoriana entrou.

Assim que passou a porta da entrada ela sentiu o maior alívio da sua vida. Seria o início duma nova etapa. Mais um início, outro, o verdadeiro. Encarou mulher que a atendera com alguma surpresa, estava vestida duma maneira um pouco estranha: de cinzento-azulado, usava um avental com peitilho e alças e na cabeça um lenço da mesma cor, rente à testa que lhe tapava completamente o cabelo. Era seguramente uma farda. Seria uma empregada, uma freira, uma irmã? Vitoriana explicou-lhe que vinha do Algarve, que vivia em casa duma senhora idosa cujos filhos a tinham levado para Faro pelo que ficou sem um teto. Tinham-lhe dado o prazo de uma semana para deixar a casa e era por esta razão que ali estava. Precisava dum abrigo que pudesse servir de base para procurar trabalho. Explicou que a senhora Gertrudes contribuía para as Casas de Santa Zita e comprava sempre o calendário e o almanaque, por isso é que ela conhecia a instituição e se lhes dirigiu.

Ficou muito apreensiva face ao silêncio da mulher e, pior ainda, face às caras que ela fez. Como quem dizia que estava com pouca sorte, ou que a Casa estava cheia.

— Trazes alguma carta de recomendação dessa senhora, ou do padre da tua terra? É o costume, sabes?

— Não tenho nada… — Balbuciou com receio. — A vila está sem padre, só vai um de fora dar a missa aos Domingos. E a senhora Gertrudes, coitada, foi para o hospital depois de ter dado uma queda… Agora não tenho para onde ir…

— Senta-te aí e espera um pouco. Vou falar com a irmã Leonor que ela é que decide estas coisas.

Sentou-se com os cotovelos sobre a mesa e a cabeça apoiada nas mãos, numa atitude de quase desespero. Olhou o seu pequeno relógio, oferta da senhora Gertrudinhas, passavam já uns bons quinze minutos desde que entrara. Fez um rápido balanço daquele dia, o primeiro da sua nova vida. Teve sorte com o Agostinho. Sem ele como é que se teria desenvencilhado? No Terreiro do Paço ele agarrou logo um carro de praça. Ela hesitante e ele a dar-lhe confiança: “Anda, eu levo-te lá”. Ela encandeada com tanta luz na cidade, todas a passarem tão depressa. Parecia-lhe que os carros em sentido contrário vinham chocar com eles. Ele acalmando-a: “Vai correr tudo bem, vais ver”. Ele prometera-lhe vir no dia seguinte para saber com estavam as coisas. Tranquilizava-a. Até o motorista ajudou: “Conheço a irmandade, na rua não a vão deixar ficar”. Agostinho escreveu num papel a morada do tio, onde iria ficar até Segunda-feira, e o número do telefone. “Se houver algum problema ligas para este número”. Ainda tinha na mão esse papelinho, dobrado e redobrado. Ouviu um rumor e guardou-o apressadamente no seu taleiguinho.

Entrou uma mulher mais velha, com a mesma farda, seguida da outra que a tinha atendido.

— Boa tarde, sou a irmã Leonor. E tu és a Vitoriana!

— Sim, sou a Vitoriana, venho de Aljezur. — Respondeu quase gaguejando, não se sentia nada à vontade.

— Somos quase da mesma terra, eu sou de Lagos, muito perto, não é? — Tinha uma maneira doce de falar, o que a tranquilizou. E o facto de ser do Algarve deu-lhe mais confiança.

— E hoje não tens onde ficar… Qual é a tua idade? Não tens por cá família? Porque é que vieste ter connosco?

Começava o interrogatório…

— Faço hoje 18 anos — mentiu. — Vim aqui porque a senhora que me adoptou comprava sempre os calendários e os almanaques. Ela tinha uma grande admiração pela Obra e eu fiquei conhecendo e sabendo a morada.

— Ah! Foste adoptada?

— Não foi bem uma adopção. A minha mãe morreu e eu fiquei sem ninguém. A senhora Gertrudinhas, que era viúva, chamou-me para a sua companhia. — Vitoriana ia-se descontraindo. — Estive com ela três anos, até ela ir para o hospital e os filhos não me quererem na casa…

— Eras criada dela. Sabes ler, ou não fizeste a escola?

— Sim, sei ler e escrever, fiz a escola completa. E não era criada dela, era a sua companhia, como se fosse da família. É claro que fazia as tarefas domésticas com ela, era uma ajuda. — E acrescentou, com o objectivo de fazer valer as suas competências. — Sei fazer tudo numa casa, limpar e cozinhar. E também sei costurar e bordar com bastidor.

— Hum! Estou a ver… Ficas connosco esta noite e amanhã veremos o que se pode fazer. A tua situação é pouco vulgar e tenho que pensar melhor. Vais com a irmã Francisca que te vai indicar uma cama. Aqui jantamos pelas 7 da tarde, já passa da hora mas deve haver alguma coisa na cozinha. Até amanhã, se Deus quiser.

Levantou-se a irmã Leonor e logo de seguida a irmã Francisca que lhe fez um sinal para que se levantasse também.

Bem, pelo menos na rua não ficava. Seguiu a irmã Francisca pelo comprido corredor até uma porta que por cima tinha uma chapa de esmalte indicando “Camarata 3”. Era uma divisão quadrada, com seis camas, seis mesinhas de cabeceira e seis armários, tudo de ferro pintado de branco, três de cada lado. A irmã abriu uma fresta na janela dizendo que era para arejar, pois a camarata não era ocupada já há umas semanas.

— Ficas aqui, sozinha por enquanto. Como disse a irmã Leonor, amanhã se verá. Agora vem comigo à cozinha.

O jantar tinha sido canja de galinha com bastante arroz e carne. Mais parecia um arroz de frango do que uma sopa. Estava delicioso! Era uma boa maneira de terminar um dos dias mais desgastantes da sua vida.

Recolheu-se e dormiu profundamente. Acordou às seis da manhã. Era outro dia…



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